quinta-feira, 25 de março de 2010

Além da certeza

Homens e mulheres de preto, se reúnem
para dar adeus ao colorido da vida.
Pedaços de lágrimas lavam
os pecados do que já não pode se salvar por si.
Nas mãos bijuterias de uma fé questionável.
Por que se perde? Por que da morte?

E no caixão de madeira de lei, da Lei Divina,
as flores abraçam a epiderme fria.
Eu não queria ganhar aquelas flores,
“As Flores do Mal” de Baudelaire.

E na dor quase suicida dos vivos,
se percebe a compaixão pelos mortos.
A paixão de cristo, se sobressai
a despaixão dos homens.
Tudo que é mortal,morre.
Tudo que é morto, vive.
A alma transcendi o inefável.

Os sons da vida mundana,
o barulho da cidade matéria,
no fim tudo vira silêncio abaixo do homem.
Abaixo da terra. Abaixo de sete mãos.
Abaixo de Sete Princípios. Acima de mim.

O homem criou Deus.
Então Deus criou a morte?
O homem matou Deus.
Então por que Deus não levou consigo a morte?

Entre colinas do Tibet,
encontro o jardim da espera eterna.
Lá um príncipe dinamarquês,
sussurra no meu ouvido a frase
final da peça trágica
que chamamos Vida:
‘O resto é silêncio...’
E o espírito parte para além da certeza.

Cícero Augusto.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um quase assassino.

Sou frio, calculo seus passos
não meço esforços para te encontrar
sei tudo o que fazes, onde dormes
quando cantas, sua comida preferida.

o mal que me fizeste não pode ser medido
o mal que irei te fazer, foi medido a cada passo
contei as horas, somei cada batida do seu coração
estudei as dores que doem mais, as cores mais marcantes.

sei dos teus anseios, das tuas despedidas
mas a dor me foi doida, e ninguém pode tirar
a dor que te virá, nunca vai ser esquecida
não moverás uma palha para se encontrar com teu destino.

te acordarei com pássaros planejados
teu leite altamente fermentado
tua meia cuidadosamente amaciada
teus passos contados, tua vida selada.

não se preocupe, fiz de tudo para ficar na memória
sei até que ponto podes aguentar, até onde vais chegar
e aos poucos vão te passar lembranças danosas
causadas diariamente pelo seu maior prazer.

e as tuas alegorias vão despencar
junto com as velas do teu barco
com a tua sorte passageira
e a depressão que nunca tiveste.

não adiantará rezar, pois os teus pecados nunca existiram
os teus erros, são meros contratempos
tua vida era tão perfeita,
e agora ela é puramente estreita.

o fim chegou, não existe saída
não adianta me mostrar que eu estava errado
só não chegue tão perto
pois sou frágil e meus planos podem ruir.

lidei com fatos físicos
trabalhei com contáveis problemas
só não esperava sentir pena
e o rumo da nossa vida mudar tão drasticamente.

será que eu estava errado? onde eu estava errado?
estudei teus defeitos incansavelmente
esqueci de estudar minhas falhas, infelizmente
agora segue a tua vida, não insista no defeito, de olhar somente para sí mesmo.

Rossano Coutelo.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Soneto ao nada.

Arrasta-te em minha alma, ó nada!
Nesta noite de perdidos sonhos tecida
teu opaco açoite meu corpo permeia
sob as estrelas empalidecidas ao céu nu.

Navega-me tu, ó nada que lavra
a poesia concreta, clara e polida
meditada em tua maré dorida –
o vácuo fecundo que sentem os poetas.

Ó nada, és estéril e florescente,
pois sendo vazio, és crescente em tudo,
desde em meu peito, onde ecoas mudo.

E puro sentimento, vibração com louvor.
Daqueles que te sentem, ó nada,
da inspiração, és o grande senhor!


Gabriel Navarro.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Um fim.

No relógio são seis horas da tarde.
O dia vai acabando.
E eu sem você.
Trânsito intenso,
Chuva forte,
Guarda-chuvas pretos.
Tudo indica uma tristeza.
Percebi um certo desvio
para o vermelho, no céu,
quando você partiu. Será a Lei de Hubble?

Enquanto os pingos de chuva
se confundem com os rios de lágrimas,
as estrelas rasgam o teto da cidade.
Quem dera ver a Ursa Maior daqui, pelo menos
alguma coisa maior, hoje.

As gotas batem no meu corpo,
Escuto o eco que sai do oco da minha vida.
Não estou mais em mim. Dor é sentir
a ausência daquilo que não está mais lá.

Tudo acaba em silêncio absoluto e
sentimentos egocêntricos inerentes a nossa condição.

Atravesso avenida com pensamentos estreitos,
mas com dores largas.
Um carro se movimenta fora da estrada.
Será meu remédio?
Talvez na morte encontre de novo meu sorriso.

A chuva cessa, o tráfego diminui,
só essa ferida que não estanca.

Por fim,
visto meu casaco de linho triste.
Descido partir. Olho pro relógio:

Agora são seis horas e um minuto,
O mundo continua a girar.

Cícero Augusto.

terça-feira, 9 de março de 2010

Costura

Queria me vestir do teu amor
Porém continuo andando nu por ai nessas ruas imundas
Nao tens um número pra mim, morena?
não precisa ser exato, pode ser intermediario,
afinal, a exatidão do amor se compara com a subjetividade do acaso

Quanto custa? eu pago
Dou-me inteiro, sem rodeios e bloqueios
e talvez eu não valha muito como inteiro
Mas olha com carinho, a intenção é que basta, ou não?

Pra mim nada basta, quero tuas mangas longas e usadas
Pra sentir teu cheiro, teu perfume, teu calor
Pra me agarrar nos teus trapos trabalhados

Sorri pra mim, com fita na boca, pronta para tirar minhas medias
e trabalhar no meu corpo teu amor, de pedaço em pedaço
sem descaso, por favor, que eu pago caro

E quero riqueza de detalhes, porque do superficial estou cheio
Costura fina, entendes?

Peguei ontem meu terno, mas é uma pena rapaz, tenho que voltar la
e olhar mais uma vez nos olhos da costureira bela e quem sabe
Tirar daquelas íris de diamante algo para acrescentar.

Pedro Ivo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

o amor não tá lá.

Acordo de manhã,
vou colocar os pés no chão e piso no amor.
Levanto, abro o guarda-roupa e o amor tá lá:
No meio das minhas cuecas, blusas,
calças e meias.
Vou no banheiro escovar os dentes e amor ta lá:
Do lado do creme dental, entre o xampu e a escova.

Estou tomando café na cozinha e o amor fica
me olhando do açucareiro.
Perguntando: “Mais uma colher de açúcar, senhor?.”

Descanso e o amor ta lá também, no meu travesseiro.
Perguntando: “Confortável, senhor?”

O telefone toca é o amor.
A campainha toca é o amor.
Recado novo na caixa de entrada é o amor.

Fazendo o almoço e o amor entre os grãos de feijão.
Lendo um livro e o amor parado me olhando da cabeceira da cama.
Assistindo o filme e amor lá do meu lado me oferecendo pipoca.

O amor não me larga,
não esqueci meu nome,
meu endereço,
meu número de telefone.

Numa tarde o amor
foi embora.

Agora,
O telefone não toca.
A campainha não toca.
A mensagem não chega.

Só o café sozinho na cama,
um verso inacabado na máquina de escrever.
Perguntas ausentes no cotidiano.
Um filme que já cansei de ver.

E eu sozinho na varanda do prédio,
esperando o amor ligar,
esperando a campainha tocar,
esperando a mensagem chegar.
Esperando o amor tá de novo lá.


Cícero Augusto.