quinta-feira, 29 de abril de 2010

E se fosse um sonho? 
Entre, pode entrar
a casa não é sua, mas...
coma, pode comer
não temos muita comida, mas...
se essa barreira é tão pequena
essa tua cara não é nada amena
olha lá, os carros estão estranhos
aquela estrela nunca esteve ali
vai ver, eles te conhecem, ou não
talvez, seja tudo um engano, ou não
como você veio parar aqui?
você está realmente aqui?
olhe a sua volta, conhece essas pessoas?


Pode se sentar, a casa é sua
prefere qual cadeira?
beba, mais um copo d'água
prefere gelada ou natural?
se seus olhos me parecem dispersos
seu semblante não é nada satisfatório
são suas escolhas que estão em jogo
sabe bem onde pisas garoto?
reconhece as paredes que olhas?
coração de um pobre perdido
não conhece nem as vestes
quanto mais especificar
que a vida lhe tinha armado
uma grande peça espetacular
e não adianta rimar agora
pois em tua cola, não existe mais nada
aqueles carros não carregam mais ninguém
essas estrelas já viraram alvorada
e da tua memória, hoje não existe nada.
 
Vá dormir meu filho, e vê se não volta a sonhar.


Rossano Couelo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Tudo para nada.

Fui eu que arquitetei a tua estrada,
medi tudo para a sua passagem.
Plantei flores. Preparei um jardim
que tinha uma rosa com teu nome.

Fui eu que contratei palhaços para afastar tuas depressões.
Pesquei lulas coloridas para colocá-las em tuas mãos.
E pintei o fim do arco-íris no teu quarto, porque é lá
onde guardo meu tesouro.

Fui eu que construí nossa casa na mais alta das colinas,
para ficarmos mais perto das estrelas.
Comprei o mais requintado dos vinhos, para bebermos
em nossa viagem a Grécia.

Fui eu que preparei tuas paisagens mais lindas.
Cacei borboletas para pô-las em sua janela todas
as manhãs. Desenhava as nuvens, trazia os colibris,
aveludava a brisa.

Fui eu que esquentei teus pés nas noites frias.
Fazia o chá nas tuas tardes mornas.
E que acordava primeiro que você, todos dias, só para conferir se tudo corria bem antes que seus olhos abrissem.

Projetei alegrias, viagens,
brincadeiras, jantares, caminhos.
Tudo foi eu. E você, que indicou o fim.

Só não planejei te perder.


Rossano Coutelo e Cícero Augusto.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Bloco.

O Bloco não para,
com tanta gente que chega.
Capiba na mesa de um bar tomando cerveja.

O Bloco não para,
com o passista em ação.
Bach no maracatu com a alfaia na mão.

O Bloco não para,
não vê o passar das horas.
Miles Davis com seu trompete na Rua da Aurora.

O Bloco não para,
com o Galo na rua.
Um verso de Sade descrevendo uma mulher nua.

O Bloco não para,
por mais que se insista.
O povo cantando nas ladeiras de Olinda.

O Bloco não para,
por mais que se cante.
Alceu dançando frevo numa comédia de Dante.

O Bloco não para, e segue tocando.
E os foliões na rua dançando.
O Bloco não para, e nem vai parando.


Cícero Augusto.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Clara.

Deixa eu cantar
que é pra ver tua cara
Deixa eu morrer
que é pra me libertar, minha cara.

Faz eu chorar
o mais fortes dos prantos e sara
Faz eu viver
aquele último instante, e para.

Me queira bem
contemplando essa vida rara
Me dê valor
pra eu viver nessa vida cara.

Solta essa voz
imitando o amor, não chora
Sai dessa toca
que é pra eu ver tua pele clara

Solta essa luz
pra eu poder te achar minha Clara
Vem me buscar
que é pra ficarmos cara a cara.


Rossano Coutelo

quinta-feira, 1 de abril de 2010

As Luzes.

já choveu, a graça se desfez por terra
a terra quente, logo se esfria
e os raios de luz não atingem seu destino
tudo permanece escuro, permanece incluso
já cravou, quem me espreitava, se foi
a batida foi tão forte,
o som estrondeante,
mas não foi suficiente.

vai chover, e as águas trazem o meu paradeiro
enfim saberão o meu nome,
enfim sentirão o meu cheiro
hoje é o dia da grande renovação
estou curado, cheio de coragem
repleto de certezas,
não arrisco uma resposta
nem me contento com perguntas

quem vai me dar razão?
quem vai me dar a mão?
será que posso mostrar que tenho um coração?
ouvi dizer que os olhares são de negação!
quando a chuva caiu, vi de longe uma cidade
com as lâmpadas acesas,
pensei que fossem pessoas me condenando
vinham em procissão, me obrigando a pedir perdão.

sentei num banco, vinha um circo passando na minha frente
os palhaços, pareciam tão tristes como eu
a música, tão fora de sincronia como a minha vida
foi quando um garoto olhou em meus olhos,
pediu abrigo com o olhar, vi meu passado no seu rosto
eu que não tinha nada, pensei em ajudar
notei que ele fugia do circo, assim como eu fugia da vida
precisava de alguém, tanto quanto eu.

E assim a dor passou,
o fogo se apagou,
as luzes voltaram a iluminar a terra molhada
e tudo parece tão claro, tão raro
e a procissão de luzes
veio em minha direção com velas acesas
me dando razão, segurando minha mão,
mostrando meu coração, pedindo perdão.

Rossano Coutelo.